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Sou uma aprendente-ensinante*, aluna do cotidiano e de cada fantasia diária. Me alimento de sonhos me enroscando nas redes da razão que costuram possíveis caminhos encantados... *aprendente-ensinante termo de Alicia Fernández

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

UM CASO DE AUTISMO INFANTIL

O Autismo foi conceituado, pela primeira vez, em 1943 por Leo Kanner psiquiatra infantil de origem austríaca. Kanner estudou onze casos de crianças que possuíam algumas características em comum como incapacidade de se relacionarem com outras pessoas; severos distúrbios de linguagem (sendo esta pouco comunicativa) e uma preocupação obsessiva pelo que é imutável (sameness).


Esse conjunto de características foi denominado por ele de autismo infantil precoce.

Atualmente é considerado uma síndrome comportamental que engloba um conjunto de sinais e sintomas. Trata-se de um distúrbio global do desenvolvimento com bases neurobiológicas que afeta cerca de 4 a 10 em cada 10.000 indivíduos.

A incidência é maior no sexo masculino, numa proporção de 4 por 1 do sexo feminino.

O Autismo se caracteriza pelas dificuldades na tríade da Comunicação, Interação social e do Comportamento. Os sintomas costumam aparecer antes dos 3 anos de idade. Indivíduos com Autismo apresentam grande dificuldade em olhar para o outro, eles evitam e em alguns casos, pode acontecer o oposto, fixam o olhar de tal maneira e de forma exagerada que incomoda a outra pessoa. Têm expressões faciais muito pobre e parecem não entender o que se passa com a outra pessoa.

 Os indivíduos que tem Autismo têm algum tipo de comprometimento na linguagem, embora seja muito variável. Os de alto funcionamento, como os Síndrome de Asperger, falam bastante tem voz melodiosa, sotaque e ritmo peculiar. Outros falam, porém utilizam a fala de forma não comunicável. Há tendência para a repetição de frases (ecolalia). Alguns jamais falarão alguma palavra.

 O presente trabalho trata do caso de um menino autista incluído num primeiro ano do Ensino Fundamental. O aluno foi acolhido, bem como sua mãe, e iniciou-se o processo de adaptação e inclusão escolar. O relato está contido em detalhes no Estudo de caso. Para atendimento ao caso foi construído um Plano de Ação fundamentado na Política Nacional da Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva com enfoque no AEE – Atendimento Educacional Especializado

A palavra AUTISMO vem do grego Autos que significa “de si mesmo”. Há um isolamento total do mundo exterior com conseqüente perda de interação social. De acordo com a Política Nacional da Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva elaborou-se um planejamento voltado à inclusão do aluno E. bem como se preparou a Escola para recebê-lo.

Conforme o Parecer 56/2006 do CEED : “quando os recursos existentes na própria escola mostrarem-se insuficientes para melhor compreender as necessidades educacionais dos alunos e identificar os apoios indispensáveis, a escola poderá recorrer a uma equipe multiprofissional. A composição dessa equipe pode abranger profissionais de uma determinada instituição ou profissionais de instituições diferentes”(2006, 3.5.3). Uma das primeiras providências a serem tomadas foi buscar auxílio e cooperação junto à FADERS/SAFE para esclarecimentos e contribuições pedagógicas , uma vez que o aluno já era atendido nessa unidade educacional.

 A Resolução CNE/CEB nº4/2009 em seu Art.1° e 4° define o público alvo do AEE como:
 I – Alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial;
II – Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação;
 III – Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com as áreas de conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade.

Nossa prática e observações passaram a ser constante na Sala de Aula a fim de conhecer melhor o aluno que apresenta sérios comprometimentos de linguagem, não fala. O período de adaptação foi conturbado, a professora do 1º ano entrou em licença saúde, neste intervalo outra professora a substituiu sem sucesso, nova professora ingressa porém também permanece, sendo a atual professora da Turma a professora que E. gosta, tira o bico e dá um beijo manifestando contentamento.

Todo esse processo de instabilidade organizacional da Escola não foi suficiente para desestabilizar E. que, diariamente, faz menção de ajeitar sua mochila para vir à Escola que tanto gosta. E. é diagnosticado com Transtorno Global do Desenvolvimento espectro do Autismo CID F84. Segundo a CIID-10, os TID são compreendidos como: “Grupo de transtornos caracterizados por anormalidades qualitativas em interações sociais recíprocas e em padrões de comunicação e por um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo; essas anormalidades qualitativas são um aspecto invasivo do funcionamento do indivíduo em todas as situações, embora possam variar de grau; na maioria dos casos, o desenvolvimento é anormal na infância e, com apenas poucas exceções, as condições se manifestam nos primeiros cinco anos de vida; é usual, mas não invariável, haver algum grau de comprometimento cognitivo, mas os transtornos são definidos em termos de comportamento que é desviado em relação à idade mental”. (CIID-10 apud SCHWARTZMAN, 2003, p. 16).

E. recebe atendimento psicológico e é acompanhado, periodicamente, por neurologista. Atualmente, está com atendimento educacional especializado no contra turno da Escola pública onde estuda e na FADERS. Mesmo gostando muito da Escola E. tem incapacidade de fazer e manter amigos.
Demonstra uma diferença especial em relação as meninas, as quais permite que se aproximem ao contrário dos meninos que se retira de perto demonstrando descontentamento e ou indiferença. E. tem muita dificuldade de compartilhar prazer e desconforto. Nesse sentido, segundo Schwartzman: “ por esta razão, em momentos de sofrimento, o autista pode se isolar mais e se recusar a receber o afago de sua mãe. Da mesma firma, frente algo que lhe dê muito prazer, não consegue partilhar com os outros esta alegria.” (2003, p. 23).

Como E. não fala, a área da comunicação é muito afetada e o comprometimento do processo ensino aprendizagem se intensifica. Tanto na Sala de Aula quanto na Sala de Recursos Multifuncional é usada a comunicação alternativa através de apoio visual. Os cartões com figuras ajudam muito, pois associa a palavra a um objeto ou pessoa concreta e conhecida.

 Mesmo sabendo que a fala talvez nunca aconteça é importante introduzir a linguagem aos poucos, apoiando-se em ações e objetos concretos, conhecidos e muito claros, e avançando de acordo com suas possibilidades. Também seu comportamento está comprometido. E. tem intenso interesse por revistas, livros e/ou folhetos de supermercados em grandes quantidades, é seu foco restrito de interesse.

 Outra característica é a inconstância que apresenta em suas atividades, por exemplo, o som da sirena da Escola pode lhe parecer inaudível sendo que logo após qualquer outro som bem menos intenso, como o barulho na sala de aula, lhe faça tapar os ouvidos. As dificuldades da tríade, Comunicação, interação social e comportamento fazem com que as relações de causa e conseqüência não se estabeleçam, ou o façam de uma forma muito demorada ou ineficiente.

 Por isso, o autista necessita de ferramentas de apoio para desenvolver essas relações de causa e conseqüência, levando-se em conta, é claro, suas potencialidades.
Assim, segundo a Política Nacional da Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva: “ A deficiência é um conceito em evolução, que resulta da interação entre as pessoas com uma limitação física, intelectual ou sensorial e as barreiras ambientais e atitudinais que impedem a sua plena e efetiva participação na sociedade” (Nota Técnica SEESP/GAB/Nº9)

 A principal barreira constatada no caso de E. é a comunicação em virtude da ausência da fala.
 As estratégias apresentadas na Sala de Recursos são retransmitidas à professora da Sala de Aula para um trabalho integrado que proporcione o desenvolvimento de sua linguagem. São utilizadas a linguagem gestual e a comunicação alternativa com apoio visual. Sua fixação por revistas e folhetos de supermercados é outra barreira comportamental trabalhada com E.

Também tem muito apego à rotina e qualquer mudança de itinerário ou tentativa de troca de roupas ou colocar determinado objeto em lugar diferente lhe causa comportamentos estranhos aos habituais, como por exemplo se atirar no chão e ficar se arrastando quando não consegue fugir da sala de aula ou da sala de atendimento.  
“(...) eu adotei uma planta especial mostrando onde todos os móveis deveriam ficar, tomava medidas e colocava todas as coisas de volta nos seus lugares certos, e então eu me sentia melhor. Mas desde que a Mãe morreu, o Pai nunca mais passou o aspirador de pó na sala, e assim está tudo bem. E a Senhora Shears passou o aspirador uma vez, mas eu comecei a gemer e ela gritou para o Pai e nunca mais fez isso novamente”.(MARK HADDON, 2006 p.71)

De acordo com a Legislação o Autismo é um dos transtornos globais do desenvolvimento que a Escola deve acolher na Sala de Aula e no contra turno na Sala de Recursos Multifuncional.
Esse aluno com necessidades educativas especiais necessita que lhe seja ensinado quase tudo que uma criança normal aprende espontaneamente por meio da observação e da experiência.

A inclusão é um processo que perpassa toda a Escola e nela se expande através da aquisição de novos conhecimentos que nasce de um novo olhar, provocado por um novo saber.

O autista se relaciona melhor com o universo concreto, com atividades bem estruturadas, que possuem início, meio e fim.

As idéias abstratas lhe são incompreensíveis o que lhes levam a impossibilidade de imitar. Recentemente, descobriu-se os Neurônios-espelho, um trabalho de Giacomo Rizzolatti.(1988)

Foram colocados eletrodos em um macaco, no córtex pré-motor situados na região do lobo frontal (responsáveis pelos movimentos voluntários) para medir as atividades neurais de seu braço como empurrar, puxar, agarrar e colocar um amendoim na boca.

Observou-se que as mesmas células dispararam quando o animal viu alguém, experimentador ou outro macaco, realizar a mesma ação.

 Segundo a revista Scientific American Brasil: “Porque os neurônios-espelho estão aparentemente implicados na interação social, disfunções desse sistema neural específico estariam na origem de alguns dos principais sintomas do autismo, como isolamento social e ausência de empatia.

Estudos sobre a doença atestam a falta de atividade dos neurônios-espelhos em diversas regiões do cérebro dos autistas. Pesquisadores especulam se tratamentos com a finalidade de restaurar essas atividades poderiam minorar alguns sintomas” (Scientific American Brasil, 2006, p.54)


ESTUDO DE CASO  [ foi retirado desta publicação pela autora]


CONSIDERAÇÕES FINAIS
 O Autismo é uma das síndromes mais severas, comprometedoras e incapacitantes no que diz respeito ao desenvolvimento integral da criança. Neste caso estudado ela se reveste de uma gravidade relevante visto a ausência da fala.

Todo trabalho escolar, os planejamentos pedagógicos foram construídos tendo por objetivo maior a problemática da Comunicação. A didática se neste focou na ausência da fala. As estratégias construídas e algumas alcançadas ao longo do ano letivo pareciam ter o andar de uma tartaruga, visto que os resultados lentos, embora visualizássemos o movimento constante na conquista de aprendizagens básicas.

Percebemos, também, a falta de limites e a necessidade de terminar com o estigma de que o autista pode tudo porque não fala, não olha nos olhos, parece não entender o que se diz.

Conforme a Declaração de Salamanca: “As Escolas regulares com orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias q que alunos com necessidades educativas especiais devem ter acesso à escola regular, tendo como princípio orientador que “as escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras”(BRASIL,2006,p.330)

Foi exercitado, em Sala de Aula, o acolhimento e recebimento deste aluno e o resultado foi exemplar. E. está incluído e adora sua Escola, seus colegas, sua professora e demais integrantes. Seus colegas passaram a entender sua deficiência e procuram interagir utilizando-se dos meios que dispõem para acessar universo de E., usam o afeto e a compreensão, e esta comunicação é, regularmente, aceito só através das meninas.

 A construção deste trabalho foi importante porque nos levou à reflexão além da pesquisa do que é o Autismo. A experiência é gratificante porque nos transporta a um mundo de possibilidades incomuns, nos enriquece pelo conhecimento e aquisição de um novo saber. Dentro do universo da Educação poder trabalhar com Autismo é mais que um desafio, é ter que conquistar um novo olhar, diferenciado, dirigido a quem não consegue ver...

Segundo Coll, Marchese e Palácios: “é autista aquela pessoa para a qual as outras pessoas são opacas e imprevisíveis, aquela pessoa que vive como ausentes – mentalmente ausentes - as pessoas presentes, e que, por tudo isso, se sente incompetente para regular e controlar sua conduta por meio da comunicação.” ( 2010, p.234 )

 Hoje, dentro da perspectiva da educação inclusiva, temos uma nova realidade onde os alunos com necessidades educativas especiais podem se beneficiar de nova metodologia educacional, com currículo adaptado e atendendo as suas especificidades.

O Autismo, na Escola onde atuo veio transformar e diversificar toda sua estrutura curricular onde os alunos e demais integrantes estão se adaptando, aprendendo, inovando e reconstruindo um novo saber.

BIBLIOGRAFIA SCHWARTZMAN, J. Salomão. - Autismo Infantil. São Paulo: Memnon Edições Científicas, 2003.
GRANDIN T. & Scariano M.M.. – Uma menina Estranha. São Paulo: Cia. das Letras, 2010. HADDON, Mark. – O estranho caso do cachorro morto .Rio de Janeiro :Editora Record, 2006.
BRASIL American Scientific – Quebrados-uma teoria sobre o autismo, p.53.
 CEED – Parecer n°56/2006. SEESP/GAB – Norma Técnica n°9/2010.
 DECLARAÇÃO DE SALAMANCA. Brasil, 2006 - p.330 
COLL, César; MARCHESI, Álvaro; PALACIOS, Jesús (org.) Desenvolvimento psicológico e educação ,Porto Alegre,ArtMed, 2004

Um comentário:

Anônimo disse...
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